06 DIALOGUES: Natalie Klein e Tufi Duek

DIALOGUES: Natalie Klein e Tufi Duek

Moda

Compartilhe esse arquivo

Natalie Klein, lado direito do cérebro: mulher com a cara (e rara) capacidade de conjugar gentileza e força. Mãe, parte de um casamento criativo-afetivo há mais de 14 anos – e contando. Com o lado esquerdo: empresária que, há 26 anos, se mantém à frente da NK Store, com cinco lojas abertas – e contando.

“Existem duas profissões no mundo que são regidas pelo lado esquerdo e direito do cérebro igualitariamente: moda, arquitetura e só. Existe a parte da criação, mas há também a construção, que tem que ser feita”, diz ela. Como então extrair da empresária paulistana um ponto de vista único, que une ambos os lados? A convite da Numéro, o criador de moda Tufi Duek (também conhecido como marido de Natalie) tenta achar a resposta.

 

TUFI DUEK: Oi, meu amor. Tudo bem?

NATALIE KLEIN: Oi, meu amor. Tudo ótimo.

 

TD: Bom, como fui convidado para fazer uma entrevista com você, vou te pegar de surpresa algumas vezes. Vamos começar falando sobre qual legado você quer deixar.

NK: Poxa vida, você já está me perguntando sobre legado? Eu tô quase tremendo aqui. Já fui entrevistada por muitas pessoas mas, pelo meu marido, vou te dizer que é novidade [risos]. Eu acho que a NK deixa uma marca de olhar de moda e edição, o que cada dia mais fala sobre o poder de escolha que as pessoas têm. Escolher conteúdo, escolher o que vai vestir, escolher que linha tomar na vida. Olhamos para um recorte da moda, que não é o de preço e não é o de uma tendência específica. É um recorte de afinidade, de conexão com a cultura de moda.

 

TD: A NK completou 25 anos. Como é para você, que criou uma marca quando era praticamente uma garota e...

NK: Continuo uma garota, vai,? [risos]

 

TD: Sim. Mas o que eu quero dizer é: você tinha 20 anos quando criou a NK Store, sua clientela também. Como é que hoje você faz o convite para uma nova geração conhecer a marca?

NK: As marcas vão envelhecendo, e o público vai envelhecendo também. Eu vou te falar que, pela primeira vez na história, eu acho que o olhar está diferente. Acredito que a juventude também olha para mulheres maduras, de sucesso, porque elas fazem parte da primeira geração que conquistou altos postos no mercado de trabalho. Acredito que a juventude vai ser cada vez mais influenciada por pessoas mais velhas. Quando você tem 16 anos e olha para uma mulher dessas, você pensa “pô, eu quero ser ela. Quando eu crescer, quero ser a presidente da L’Oreal, da Chanel, da NK, da General Motors”. Então não necessariamente as marcas têm que fazer moda para agradar somente meninas de 16 anos, porque as mulheres de 60 anos não querem ser as meninas de 16. E eu acho que isso faz parte da NK. A gente não se produz para ser jovem, mas faço produtos para essa meninada se empoderar. Eu possivelmente vou vender para aquela menina que conseguiu o primeiro trabalho e que, como presente, vai comprar o seu primeiro terno de alfaiataria. E se sentir maravilhosa.

  • Natalie Klein, à frente da NK Store por 26 anos, escolheu “olhar, sentir e cuidar” – ao invés de “vender, multiplicar, viralizar”

    Natalie Klein, à frente da NK Store por 26 anos, escolheu “olhar, sentir e cuidar” – ao invés de “vender, multiplicar, viralizar” Natalie Klein, à frente da NK Store por 26 anos, escolheu “olhar, sentir e cuidar” – ao invés de “vender, multiplicar, viralizar”

Foto: Tuca Reinés. Beleza: Lau Neves

TD: Quando você começou, os tempos eram outros. Como na minha época, em que o ritmo para passar nossa paixão pela moda ao consumidor era totalmente diferente de hoje, que é muito mais veloz. Antes fazíamos duas coleções por ano, havia um respeito com a construção das coleções. O tempo de hoje é online, é tudo muito rápido. Eu tinha marcas e existia ali uma concorrência, mas não como hoje, com uma competição que às vezes nem se vê de onde está vindo. Como é que você vê essa mudança?

NK: Esse é um grande desafio de quem trabalha com moda hoje. Os sinais e comportamentos sociais estão cada vez mais rápidos e a moda, obrigatoriamente, tem que acompanhar – o que não significa que você vai entrar em uma esquizofrenia. Eu me coloco muito nesse lugar de que vamos fazer o melhor possível, dentro de um ritmo saudável. A nossa cadeia produtiva, do dia do desenho até o dia da prateleira, é de oito a dez meses, o que a gente considera sadio. A gente ajusta produtos, para você ter sempre a sensação de que entram coisas novas, mas nunca atropelamos o processo. E nunca vamos. Hoje, as cadeias fazem um “time to market” de um mês e meio, 15 dias. Isso é uma coisa com a qual eu não compactuo. Eu acho que tem um mercado para todo mundo. Mas muitos quebram, porque tentam fazer uma aceleração dentro de uma cadeia que é muito frágil no Brasil, muito delicada. Não adianta tentar competir com os produtos da China, que são feitos em uma outra dinâmica de país. Então, acho que a NK respeita muito o tempo. Não é o mais rápido que é o melhor. Talvez o mais atento seja realmente o melhor.

 

TD: Aqui em casa, acho que uma parte boa dos nossos dias é quando estamos falando sobre moda na cama, que é o melhor lugar para conversar e trocar conselhos. Às vezes, você me aconselha; às vezes sou eu que falo como foi o meu tempo – continuo apaixonado, mas não estou mais dentro da moda, no sentido físico. Eu já fiz uma boa parte desse caminho e gostaria que você fosse muito mais longe.

NK: É muito mais legal você trocar com uma pessoa que fala a mesma língua. Talvez, se eu tivesse minhas dores porque uma estampa saiu da cor errada, e um marido que não trabalhasse com moda, que fosse engenheiro, ele ia falar simplesmente “troca a estampa”. É muito legal ter um marido que sabe que, às vezes, não dá para dormir à noite quando deu tudo errado, quando um tom saiu diferente, quando o sapato não chegou para fazer as fotos da coleção. Além disso, a gente tem rituais importantes aqui em casa. Todo mundo vai trabalhar e todos os dias, pontualmente às sete horas, a gente janta com as crianças, aconteça o que acontecer. A gente não vai ao cinema, a gente não vai em festa, não faz nada sem jantar com elas.

 

TD: Pra mim, o melhor conselho que a gente compartilha é que a família é o que há de mais importante. Eu deixei a moda pela minha família numa situação muito difícil, na qual eu tinha que optar: ou continuo enlouquecido ou presto mais atenção na minha família. E esse é um valor que eu e a Natalie temos. Então, pra mim, a coisa mais legal que aconteceu foi isso. E pra você, qual o melhor conselho?

NK: Nossa, já recebi conselho, bronca, cara feia [risos]... Elogio, às vezes, né? Mas, sim, já recebi vários conselhos. E é muito engraçado porque fui fazer um curso executivo e administrativo de Harvard em Boston e, no primeiro ano, falava-se muito de modelo de negócio, você elegia seu benchmark. No ano seguinte, você superestudava aquele modelo de negócio e se aprofundava nas métricas para eleger seu benchmark. Aí, no terceiro ano, cada um fazia sua apresentação. Me perguntaram: “Natalie, quem é seu benchmark? O que você fez com ele?”. E eu falei “eu casei com o meu benchmark” [risos]. Eu acho que a gente dá certo por vários outros motivos – valores, princípios que a gente tem em comum – mas o Tufi me dá muitos conselhos. Um deles foi: “vai com tudo, a NK merece ser muito maior do que já é”.

  • DIALOGUES: Natalie Klein e Tufi Duek DIALOGUES: Natalie Klein e Tufi Duek

Foto: Tuca Reinés. Beleza: Lau Neves

TD: Eu sempre cuidei da imagem de moda das empresas que eu tive e, todo mundo sabe, a Natalie cuida divinamente bem. Pessoalmente, tenho total respeito pelos influenciadores. É uma profissão muito nova, né? Mas, a partir do momento em que a gente vê uma foto de moda na rede social, há uma repercussão muito parecida entre todos eles, que têm o mesmo trabalho. Eu tenho que admitir que, como designer de moda, acredito que a gente não pode cair nessa mesmice de alguma maneira. Não é uma crítica, é muito mais uma sensação, um sentimento que me incomoda.

NK: Eu acho que isso tem a ver com um movimento que está acontecendo agora. Chegou o tempo de reconhecermos o tal “quiet luxury”, pois ele também diz um pouco sobre como as pessoas devem se portar no mundo de hoje. Vivemos um mundo pós-pandêmico, no qual acontece uma guerra, um mundo de escassez. Trabalhando com moda, as pessoas têm uma imagem de que você joga tudo fora e compra tudo de novo. Quem trabalha mesmo com moda sabe que todo guarda-roupa é uma construção, conta uma história. Eu mesma poderia narrar minha vida através do meu guarda-roupa: o dia em que conheci o Tufi, o dia em que engravidei, a roupa com que fui para a maternidade. Essas roupas, para mim, têm um valor sem preço. E acho que, cada vez mais, as marcas de moda têm que se conectar com isso. Com o Instagram, essa imagem muito rápida e sem profundidade teve a sua época e teve o seu mérito. Eu imagino que algumas marcas até devem manter isso, mas para outras é algo que fere o processo de criação, de memória. Então, essa tendência que vem agora dialoga completamente com a minha filosofia de vida. Acho que é algo que veio pra ficar, porque dá uma situada no sentido de tirar a moda de um lugar exclusivo de vilã. A moda é como todas as indústrias do mundo hoje, que precisam se adequar, precisam melhorar, fazer parte de um ecossistema mais sustentável – é assim com a indústria de carros, a indústria de aviões, a indústria de comida. A moda é uma delas, mas não é a grande vilã. Ela não é a bala de prata que vai salvar e também não é a bala de prata que vai matar todos. Então, acho interessante quando a moda se lança na frente e fala “olha, esse excesso todo não faz mais sentido pra gente”.

 

TD: Eu lembro do que estava usando quando te conheci [risos]. Era, como sempre, um blazer com jeans e uma camisa ou camiseta. Mas nós nos conhecemos numa situação muito... [pausa]. A gente se encontrava e fazia um “oi”, só se cumprimentava meio socialmente. Quando realmente fui falar com você, achei que ia levar uma conversa de cinco ou dez minutos, como fazia com qualquer boa cliente, mas ficamos três horas e meia conversando. Saí do trabalho e pensei: “não pode ser que essa mulher seja apenas uma proprietária de boutique, ela é muito mais do que isso”. E a NK se tornou uma marca importante para nós, muito mais pela maneira de pensar. Isso transformou nossa vida profissional num início de relação pessoal, que depois de algum tempo aconteceu de fato.

NK: Na verdade eu te olhava e achava “uau, Tufi Duek”. Pagava um pau. Era uma referência enorme para mim, mas uma coisa, assim... tão distante, meio que um Ralph Lauren daqui. E eu, com uma marca pequenininha e tal. Mas aí a gente se apaixonou.

 

TD: Você consegue ser pragmática e intuitiva ao mesmo tempo. Isso foi algo que eu aprendi com o tempo, pois na minha época se pensava muito mais intuitivamente do que de qualquer outra forma. Como você leva sua intuição para um mundo completamente digitalizado?

NK: Eu acho que quem consegue juntar a intuição com os dados tem um casamento perfeito, porque a intuição não vai se tornar nada sem os dados e vice-versa. Existem duas profissões no mundo que são regidas pelo lado esquerdo e direito do cérebro igualitariamente: moda, arquitetura e só. Existe a parte da criação, mas há também a construção, que tem que ser feita. Com a moda também. Muita gente que acha que moda é uma viagem zero analítica – eu acho que esse pensamento é um passo para dar errado. A moda é muito analítica.

 

TD: Falando em arquitetura, eu vi lá atrás que, quando você resolveu fazer toda a reforma da NK na rua Sarandi, propôs a diferentes arquitetos que interpretassem sua visão. De que maneira o projeto atual traduz a marca para você?

NK: Minha formação é de arquiteta, então moda e arquitetura sempre tiveram muito peso para mim, talvez até igual – há sempre esse equilíbrio entre o espaço e como ele dialoga com o que habita dentro dele. A roupa é a nossa primeira casa e a casa é como nossa casca, quase uma segunda roupa. Depois que fizemos um trabalho sobre o propósito da NK, chegamos às nossas três palavras mágicas – “olhar, sentir e cuidar” – e entendemos que está tudo interligado. Não adianta fazer uma loja linda e ter uma coisinha ruinzinha ali, onde ninguém vê. A gente começou, na verdade, de dentro pra fora. E o processo da Sarandi foi interessante porque, depois de passar o mesmo briefing para três escritórios de arquitetura, fechamos a Casa do Saber por um dia e convidamos 60 funcionários – das costureiras aos estoquistas e manobristas – para eleger qual era a essência da NK. O Estúdio Tupi veio com um projeto incrível, que faz uma citação arquitetônica à icônica escadaria de Oscar Niemeyer no Itamaraty, dentro de um espaço de moda, provocando a ideia do que é copiar, o que é se inspirar, reproduzir. No nosso projeto de expansão, olhamos para essa NK, a “nave-mãe” como chamamos, para criar novos pontos de venda físicos. O ponto central são sempre os provadores, o que subverte a lógica tradicional de quando você entra numa loja e tem um provador naquele fundo mal ajambrado, com uma cadeirinha... A gente desenhou mil provadores, totalmente diferentes, e entre eles elegemos alguns provadores para migrarem à diferentes cidades. Em Recife, no Rio Mar, temos o provador Olinda que é amarelo, e o provador Maré, verde-água. A gente fez questão de trazer uma identidade cultural local forte que é o [Francisco] Brennand, um artista fantástico de quem sempre fui fã, e desenvolvemos um painel com sua oficina. No Village Mall, do Rio de Janeiro, a gente também fez essa brincadeira com um calçadão – o piso é todo de pedra portuguesa. E no Iguatemi de São Paulo, que abre agora em junho, a gente tem uma dinâmica de loja diferente: uma escada rolante no meio da loja. Pensando bem, acho que a escada é um símbolo da NK. Uma escada evolutiva, que subimos degrau por degrau.

  • Além da flagship paulistana na Haddock Lobo, outras quatro lojas da NK Store foram abertas: a marca está em Ipanema e no Village Mall, no Rio; no Riomar, em Recife e, a partir deste mês de junho, no shopping Iguatemi, em São Paulo

    Além da flagship paulistana na Haddock Lobo, outras quatro lojas da NK Store foram abertas: a marca está em Ipanema e no Village Mall, no Rio; no Riomar, em Recife e, a partir deste mês de junho, no shopping Iguatemi, em São Paulo Além da flagship paulistana na Haddock Lobo, outras quatro lojas da NK Store foram abertas: a marca está em Ipanema e no Village Mall, no Rio; no Riomar, em Recife e, a partir deste mês de junho, no shopping Iguatemi, em São Paulo

Foto: Tuca Reinés. Beleza: Lau Neves