31 Numéro entrevista: Nick Knight

Numéro entrevista: Nick Knight

Arte

O fotógrafo britânico conta, em entrevista exclusiva, sobre sua nova exposição “Montanhas”, em cartaz a partir deste mês na Albion Barn, no Reino Unido, e reflete sobre o futuro da imagem de moda, o papel do artista em um mundo sinistro e vida (artificial) após a morte.

  • Aiguille du Midi, Alpes Franceses II, 2021

     Aiguille du Midi, Alpes Franceses II, 2021  Aiguille du Midi, Alpes Franceses II, 2021
  • The Matterhorn, Alpes Apeninos II, 2021

    The Matterhorn, Alpes Apeninos II, 2021 The Matterhorn, Alpes Apeninos II, 2021
  • The Matterhorn, Alpes Apeninos IV, 2021

    The Matterhorn, Alpes Apeninos IV, 2021 The Matterhorn, Alpes Apeninos IV, 2021

Foto: Cortesia de Nick Knight

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Sua exposição “Montanhas” contém imagens de tirar o fôlego, mas comunica uma brutalidade selvagem que parece ser um lembrete da força do mundo natural, nos mostrando que está no comando. Você pensou nisso ao criar essas imagens?

Sim, e muito. Sempre senti que, de alguma forma, montanhas são retratadas de maneira quase submissa, muito calma, parada. Mas elas são evidências de enormes placas tectônicas de pedra, que se elevam umas contra as outras e sobem até o céu por milhares de metros. São um testemunho de forças gigantescas mas, ainda assim, representadas na arte como se o homem as tivesse dominado, porque as escalou, ou de alguma forma conseguiu domá-las. Quis tentar passar uma visão na qual a Terra não é uma obra terminada; tudo ainda se move, as coisas estão mudando. Ainda que tenham sido lindamente documentadas por outros image-makers no passado, quis trazer algo novo ao diálogo, algo que mostrasse, como você diz, esse tipo incrível de força. Não digo isso de maneira negativa, mas as imagens de montanhas tendem ligeiramente a se posicionar como se estivéssemos acima delas, o que não é verdade. Quis fazer uma série de fotos que abordassem sua energia, como elas fazem você se sentir – ao invés de, talvez, a beleza delas. Há trabalhos fotográficos incríveis sobre montanhas, não quis simplesmente repetir isso. Quis encontrar uma nova maneira de vê-las.

 

O elemento impressionista dessas imagens as conecta com pinturas. Você tinha em mente esse estilo de arte?

Sempre fui um grande fã da pintura. E gosto do expressionismo abstrato, Pierre Soulage e Ad Reinhardt. Gosto da ideia da energia das pinceladas criando uma figura maior. O que você vê, na verdade, é um tipo de reação enérgica à arte. A fotografia pode ser muito parada às vezes. Sempre me interessei em mudar as fronteiras da fotografia, tentar encontrar algo mais, para não ficar no mesmo lugar. Como todo mundo que estuda artes, você fica arrebatado pelas várias maneiras de se representar coisas. Em termos de pintura, parece ser um meio que permite trazer energia física para a criação da imagem. Acho que isso falta um pouco na fotografia. Você vê um pouquinho disso no trabalho de alguns fotógrafos de moda porque grande parte da linguagem da moda é dinâmica e, na minha opinião, você tem que capturar esse movimento – é assim que você a torna viva. É possível observar grandes fotógrafos da moda como Richard Avedon, por exemplo, em seu trabalho na década de 1960, onde você vê essa energia saindo da página da revista. Sempre amei a ideia de criar imagens que “não cabem” dentro da revista, que meio que ultrapassam as bordas, é assim que você consegue um tipo de “joie de vivre”. Quis trazer essa energia para meu trabalho com a natureza. Há um pintor chamado Giovanni Boldini que trabalhava há uns dois séculos, na mesma época em que Singer Sargent fazia seus retratos no Reino Unido. Mas o Signor Boldini fazia uns quadros fantásticos na Itália, e as mulheres que ele pintava eram extremamente cheias de vida. Se você comparar, Singer Sargent é bastante composto, imóvel, reverente, mas na verdade está trazendo um tipo de retrato respeitoso, enquanto Signor Boldini enche suas mulheres de beleza e vida: elas estão rindo e se mexendo, seus vestidos estão vivos e tudo o mais. Trazer energia para uma imagem é muito importante. Gosto de pensar que isso é útil na moda, mas sempre foi útil em todos os tipos de imagens.

 

Todo mundo quer conversar com você sobre o futuro da imagem. No passado, quando você criou o ShowStudio, a internet era um novo meio, absolutamente estimulante para criatividade da moda. E de fato é. Agora que estamos sendo apresentados às possibilidades da inteligência artificial, você também está animado com isso?

Ah sim, muito. Estamos usando a inteligência artificial já há algum tempo. Quero dizer, principalmente em meu próprio trabalho. Quando comecei a série “Roses from my Garden”, fotografei tudo com meu celular. Essa é a câmera que uso [mostra seu celular]. E é claro que os arquivos daqui, quando tentamos fazer impressões muito grandes, queríamos encontrar maneiras de aprimorá-las para que pudessem ser exibidas. Então procuramos trabalhar com uma IA que aprimora a imagem em um grau considerável. Não quero ser técnico demais, mas quanto mais você passa a imagem pela IA, mais ela é aprimorada. E diferentemente do que se poderia esperar, quanto mais baixa a resolução do arquivo que você passa pela IA, mais a IA se manifesta. Então se você olhar bem de perto para as imagens que crio, consegue ver que há um tipo de textura nova, de padrão novo. Se olhar de perto para as imagens grandes de “Roses”, o que está vendo é uma IA basicamente tentando criar o que acha que é. Um dos primeiros projetos do ShowStudio foi com escaneamento em 3D. Escaneamos vestidos e o computador não conseguia entendê-los. Quando via algo brilhante em um vestido, um tipo de bordado, não sabia se aquele brilho era um objeto sólido ou não. Não conseguia distinguir, então tinha de inventar. Acho realmente fascinante que já tínhamos em 1999 a ideia de que o computador estava pensando. Ele dizia: “OK, vou usar todas as informações que tenho para adivinhar como isso termina”. E, é claro, naquela época ele cometia erros bem grandes, mas ao mesmo tempo criava coisas que, de outra maneira, nunca teríamos visto. Sabe, a fotografia para mim sempre teve a ver com criar coisas que você não consegue ver e mostrar às pessoas coisas que não existiam antes daquela maneira. Não é apenas olhar para aquilo que você consegue enxergar e tornar isso claro para todo mundo. Então a IA certamente fez parte do meu trabalho nos últimos 25 anos.

  • Ikon-1 #661 por Nick Knight e Uglywordwide para SHOWstudio, 2022

    Ikon-1 #661 por Nick Knight e Uglywordwide para SHOWstudio, 2022 Ikon-1 #661 por Nick Knight e Uglywordwide para SHOWstudio, 2022
  • Ikon-1 #545 por NIck Knight e Uglyworldwide para SHOWstudio, 2022

    Ikon-1 #545 por NIck Knight e Uglyworldwide para SHOWstudio, 2022 Ikon-1 #545 por NIck Knight e Uglyworldwide para SHOWstudio, 2022

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Nem todos os artistas são entusiastas da inteligência artificial.

Acho que há bastante apreensão, justificadamente, em relação à IA e arte. Eu particularmente não a compartilho. O que não quer dizer que sou cego à questão. Fico bastante motivado quando me mostram coisas que não conseguia enxergar. O tipo de conversas que escuto, que leio, me lembram como os diálogos devem ter ocorrido quando a pintura deu lugar à fotografia. Foi uma ameaça à pintura, e eles faziam muitas das mesmas críticas que são feitas à IA. “Ah, a fotografia é apenas uma máquina. Nunca poderá representar a beleza que uma alma humana pode representar, nunca poderá ser mais que apenas um processo mecânico”. Você escuta esse tipo de coisa equiparada à IA e machine learning, esse tipo de coisa. Mas isso não se tornou verdade em relação à fotografia. Qualquer artista real que trabalha com criação de imagem, qualquer que seja, esculpindo um bloco de mármore ou inserindo comandos em uma IA, acho que tudo faz parte da expressão humana e parte de um momento bastante animador que estamos vivendo em termos de cultura. Muitas das críticas que ouço em relação à IA significam que as pessoas têm de falar sobre IA de maneira defensiva. Então eles se juntam na crítica e dizem: “Ah sim, é tudo assustador e estamos condenados”. E não é verdade. Isso apenas vira uma defesa, ao invés de uma abordagem com mais entusiasmo sobre o assunto. E acho que se você olhasse para a fotografia da mesma maneira quando foi inventada, algo semelhante aconteceria. Havia pessoas tendo de defendê-la o tempo todo. Pessoas como Alfred Stieglitz eram grandes fotógrafos pictorialistas. A natureza disso era dizer: “Ok, a fotografia pode fingir que é pintura. Pode parecer pintura”. E isso, por uns bons 30, 40, 50, 60 anos, foi o início da fotografia, “rivalizando” com outra forma de arte. Foi apenas quando o modernismo surgiu e pessoas como [Edward] Steichen, que havia sido um grande fotógrafo pictorialista, perceberam: “Na verdade, esse é um meio moderno e tem a ver com conseguir criar novas dinâmicas”, da mesma maneira que com a arquitetura e política, as diferentes artes, televisão, rádio e todos esses tipos de novas invenções. Acho que o que vemos agora com a IA é mais uma forma de arte para este momento. A internet começou há 25 anos, mais ou menos. Desde que comecei o ShowStudio, sempre disse que a internet traria sua própria forma de arte. Com certeza. Porque há diferentes maneiras de fazer as coisas, diferentes tipos de audiência, diferentes relacionamentos com sua audiência e um tipo diferente de rede de distribuição. Então culturalmente, é uma mudança enorme na maneira como nos comunicamos com as pessoas. Acho que o que você está vendo aqui com a IA é apenas uma reação completamente natural às possibilidades que a internet nos traz. Acho que o que você está ouvindo muito são pessoas que estão assustadas. Algumas pessoas podem ter motivos muito bons para estarem assustadas. Há muitos aspectos sinistros nisso tudo. Mas não acho que os lados sinistros são tudo. A IA não deve ser definida por nossos medos – essa é uma maneira terrível de entrar em um novo mundo ou uma nova cultura. Acho muito importante para artistas se envolverem com IA, realidade virtual e todos os tipos de coisas que podemos fazer. Porque se virarmos as costas para isso, pode ter certeza de que a militarização não está virando. Estão investindo nisso, impulsionando. É um novo mundo que estamos criando. É um dos mundos alternativos dos quais não estivemos muito conscientes ou aos quais não tivemos acesso antes. Agora temos. E não tenho muito otimismo para isso, mas gostaria de pensar que podemos criar um mundo melhor do que esse que temos. Esse mundo é basicamente criado por meio de ganância, matança, invasões e tomadas de poder, e ainda vemos isso acontecendo ao nosso redor com o Brexit, [Donald] Trump, [Vladmir] Putin, e todas as outras coisas horrendas. Infelizmente. Vemos os horrores do planeta enfrentando uma possível aniquilação por nossa própria ganância. Mas não acho que estamos nos movendo em direção a um novo mundo onde simplesmente “existimos”. Você e eu estamos em um mundo neste momento, onde estamos conversando. Não quero que esse mundo seja apenas moldado pelo exército, capitalismo e grandes empresas. Acho que os artistas realmente precisam estar envolvidos. Estamos deixando nossos dados por toda a internet. E como você sabe, a IA é bem capaz de reunir todos esses dados. Estamos deixando visões de nós mesmos por todo lado. Há uma grande chance de que se todos nós morrermos enquanto civilização, a internet continuará. A vida eterna é agora uma realidade, e não um mito, sabe? Talvez agora estejamos olhando para uma possibilidade real de vida eterna onde não temos de nos sentar em uma nuvem ou queimar no fogo. É uma visão ligeiramente mais interessante de como podemos continuar vivendo. Acho que dá um tipo de relevância maior para a conversa. Isso me fez perceber nos últimos quatro ou cinco anos que temos uma tendência de nos enxergar como uma espécie, como seres humanos, quase como se isso fosse um tipo de destino final na viagem evolutiva. “Somos perfeitos. Não há espaço para aprimoração aqui. Nada pode ser melhor”.

  • Ikon-1 por Nick Knight e Uglyworldwide para SHOWstudio, 2022

    Ikon-1 por Nick Knight e Uglyworldwide para SHOWstudio, 2022 Ikon-1 por Nick Knight e Uglyworldwide para SHOWstudio, 2022

É. O que é arrogante, certo?

Claro, é arrogante e bobo ao mesmo tempo. Estamos apenas em um ponto de uma longa jornada. Tentar parar a jornada e dizer: “ela não pode avançar, temos de manter tudo que temos, e não podemos mudar absolutamente nada...”... Não acho que seja uma maneira muito inteligente de abordar a questão. Entendo totalmente as pessoas que dizem: “Você não liga para os humanos”, e eu não estou dizendo isso. Estou apenas dizendo que temos de ser um pouco mais humildes em nossa percepção de onde estamos em uma jornada contínua. Não somos o final dela. E, portanto, qual é a jornada? E acho que isso é, de certa maneira, bastante inspirador por si só. Então a conversa rapidamente se torna muito maior.

 

A moda é muito rápida para absorver novas ideias, mas sua indústria não é. Por que você acha que a moda – de todas as artes, o meio que necessariamente olha para o futuro – tem tanta resistência à mudança?

Dinheiro. Simples assim. Acho que dinheiro é uma maneira péssima de medir sucesso, e faz parte do problema com a indústria da moda: está lá para ganhar dinheiro e apenas para ganhar dinheiro. Acho difícil imaginar que você consiga tirar muito prazer disso. É claro que se você não tiver nenhum dinheiro, ou não puder comprar comida, entendo totalmente, mas esse não é o caso para muitas pessoas que trabalham na moda. A maior parte delas tem uma fonte razoável de renda, mas isso se torna um incentivo muito falso. As pessoas colocam importância demais no dinheiro, mas não é uma das coisas que me motivam. É claro que eu faço alguns bilhões de dólares para outras pessoas ao criar suas campanhas de batom, ou perfume, e por isso sou pago, mas não acho que foi por esse motivo que aceitei os jobs. Esse é parte do motivo pelo qual não aceitamos nenhuma publicidade no ShowStudio, pois não tem a ver com isso, tem a ver com o amor pela arte. Acho que devemos redefinir o que é o sucesso ou o que é uma boa obra de arte. Aquela que vende não é necessariamente a melhor obra de arte. É por isso que acho que a indústria, como um todo, não é muito rápida para lidar com tudo isso. Por exemplo, durante a pandemia conversamos muito sobre novas maneiras de fazer desfiles de moda, e lembro de seis ou sete estilistas renomados que vieram falar comigo. John Galliano disse: “OK, não podemos mostrar fisicamente, mas o que podemos fazer?”. E todos ficaram muito animados com as novas maneiras de apresentar suas roupas; filmes foram feitos, modelos virtuais se tornaram uma possibilidade bastante tangível, etc. E então quando a pandemia terminou, várias pessoas disseram: “Não vamos voltar para aquilo que fazíamos antes”, mas então muitas das grandes empresas envolvidas com a moda disseram: “Não, não, não, esse é um sistema, vamos manter o sistema, trabalhamos assim há 70 anos e é assim que o sistema funciona, não vamos passar cinco ou dez anos sem ganhar dinheiro para que você possa criar um novo sistema, que poderia ser melhor ou mais emocionante. Vamos continuar fazendo as passarelas da mesma maneira e tentar fingir que é realmente muito, muito interessante”. É claro que a mudança nem sempre vem rapidamente, às vezes ela é lenta e gradual. Mas gostaria de lembrá-los que antes de 2010, quase ninguém mostrava seus desfiles ao vivo, e consegui convencer meu amigo Alexander McQueen na época a fazer seu desfile de moda ao vivo. Então ele convenceu Lady Gaga a fornecer uma música para o encerramento do show, o que quebrou a internet porque seis milhões de “little monsters” vieram assistir. Esse evento mudou a maneira como as pessoas enxergavam a moda. Todos os CEO’s de outras empresas de repente perceberam que há uma enorme audiência que eles poderiam deixar assistir a seus desfiles de moda, e isso mudou em uma só temporada, então literalmente em seis meses fomos de zero para 70% de todos os desfiles de moda de Londres mostrados ao vivo. Isso significa que às vezes podemos ver as mudanças acontecendo muito rapidamente, mas é possível ver o motivo, porque é uma decisão comercial tão boa para as pessoas que querem ganhar dinheiro com a moda. Seis milhões de pessoas tentaram ir ao desfile do McQueen, então se você for o CEO de uma empresa e seu trabalho for ganhar mais dinheiro, não pode ignorar esse tipo de coisa, e é por isso que as coisas mudaram fundamentalmente de maneira tão rápida.

 

Você acredita que a cabeça das pessoas muda mais rapidamente?

Acho que a pandemia começou a levantar questões em nossa mente. Agora você tem estilistas que não querem fazer parte daquele sistema, jovens que estão incrivelmente preocupados com o futuro do planeta e não querem simplesmente entrar em uma esteira, fazendo 400 mil camisetas e 200 mil pares de jeans. Isso vai contra o que eles acreditam, então acho que estamos vendo forças diferentes acontecendo no mundo da moda neste momento. É um pouco como a brigada do combustível fóssil, sabe? Eles ganham muito dinheiro, não vão mudar e querem continuar ganhando dinheiro. Não sei o que fazem com tanto dinheiro. Comem o dinheiro? É ganância, eles nunca têm o suficiente então não podem virar e dizer: “Quer saber? Não quero mais fazer isso”. Lembro-me de Alexander McQueen, no fim de sua vida, me dizendo que ele não queria mais fazer isso, ele queria ter 20 mulheres que ele amasse e admirasse e queria vestí-las. Foi isso. Ele não queria vender mil bolsas ou 100 milhões de batons ou algo do gênero. Ele só queria fazer uma moda bonita – não é particularmente uma maneira de ganhar toneladas de dinheiro, mas você pode se sentir como um ser humano novamente.

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