SPFW: Onde a Handred encontra Sérgio Rodrigues

“Acho a moda muito simpática”, me disse Sérgio Rodrigues. A frase surgiu em um esbarrão com o designer e arquiteto em 2012, quando sua obra foi tema para uma exposição no Píer Mauá, durante o Fashion Rio (a extinta semana de moda fluminense). Não havia deboche ou ironia no tom de Sérgio, mas demorei para me certificar do que significava a “simpatia” a que ele se referia. Nesta semana, depois de encontrar André Namitala – o estilista por trás da carioca Handred, cuja coleção desfilada na quinta-feira (09.11) no SPFW N56 revelou uma parceria com o Instituto Sérgio Rodrigues –, tive certeza.

A disposição favorável ao novo e a abertura afirmativamente positiva para trazer consideração sobre a intenção do outro é, sem sombra de dúvidas, uma modalidade de simpatia. E permeia tanto o olhar de André sobre Sérgio, quanto o olhar de Sérgio sobre as roupas. Aos exemplos: em uma carta redigida no dia 02 de fevereiro de 1941 (e jamais compartilhada ao público antes desta exclusividade da Numéro Brasil - veja a imagem nesta matéria), um pré-adolescente Sérgio escreve para sua avó. André contextualiza: “Ele estava em uma fazenda no Rio, às vésperas de um baile de Carnaval. Em um trecho, começa a descrever em detalhes e desenha a fantasia que queria usar: um príncipe hindu. Essa carta me marcou muito, porque desde que comecei a observar os desenhos dele, vejo que sempre houve uma atenção especial à construção dos personagens através da roupa”.

Enquanto gravava o mini-doc que acompanha o lançamento, André se deparou com uma informação curiosa: mais do que os filhos, na família de Sérgio era ele quem mais aguardava a chegada do Carnaval ou do Halloween, para poder criar as fantasias das crianças. Uma vez, usando papel machê, vestiu-as de dragão e de São Jorge. “O mundo lúdico de Sérgio era exercido, também, através da imaginação do vestir”, conta.

Entre os muitos registros que revelam a porção desenhista de Sérgio (e que foram o foco para a construção da estamparia na coleção, após a imersão do estilista no acervo histórico do designer), há ilustrações arquitetônicas ricas em detalhes sobre os personagens que figurativamente habitam os ambientes. Para o edifício Manchete, na Glória, homens de óculos escuros, vestindo ternos de animal print com broches reluzentes nas lapelas e charutos em mãos ajudam a dar perspectiva e escala aos móveis. “As mulheres, com penteados grandes, estão sentadas de pernas cruzadas – é aquele Rio glamouroso, dos anos 70, onde a gente consegue ouvir a música vindo de um piano bar”, resume André. A tradução da imagem em print ficou a cargo da designer Camila Levy. Sobre a estampa, André adicionou o trabalho de bordado, que já integra sua linguagem fashion.

Há também um tanto de novidades. Não seria justo falar que essa é a melhor coleção da história da marca (porque, de fato, é) se apoiando somente na grife de design brasileiro que a acompanha. E tampouco esse argumento se sustenta quando há uma expectativa midiática de tradução literal da inspiração: na era dos reviews de desfiles de moda executados em 30 segundos pelo TikTok, conectar o patchwork de seda em tons de marrom com um piso de taco; ou a aplicação artesanal de um móvel no longo translúcido com a poltrona original significa subestimar o cliente fiel da Handred que, certamente, reconhece e aprecia as referências, mas sabe muito bem que o novo mora em outro lugar.

Residem nas experimentações de André, provocadas a partir da faísca criativa do legado de Sérgio, o que há de melhor. E que, em um movimento recíproco, também movimentaram o Ateliê Sérgio Rodrigues para a execução. Da icônica linha Cuiabá saíram os recortes de circunferências dos sapatos e, principalmente, os espelhos que refletiram, literalmente, a sinergia da colaboração. “Junto à generosidade de Fernando [Mendes, presidente do Instituto], concretizamos a minha ideia de criar espelhos com acabamento em madeira freijó em escala reduzida para compor os tecidos das roupas. Também arriscamos com técnicas de estofamento, como o capitonê, usando pedaços de couro de sobra deles”, explica André.

“Eu vejo sensualidade no móvel do Sérgio. É uma peça na qual você se joga, é um móvel pra ficar confortável, com essa sinuosidade”, completa. Assim como a sua roupa, eu adicionaria.