A joalheria no Brasil já nos ofereceu maravilhas: dos muiraquitãs em pedra e cerâmica pré-cabralinos executados pelos povos originários, até as esplendorosas joias concebidas pelas mãos africanas, antigamente chamadas “joias de crioula”, de modo reducionista. Hoje, inúmeros estudos e pesquisas analisam o poder criativo de homens e mulheres de origem malês, nagô e de outros lugares da África que burilaram o ouro e a prata criando colares, pulseiras, brincos e os famosos balangandãs, fazendo nascer o primeiro núcleo na arte da ourivesaria em nosso país. Considerado por muitos o pai da joia moderna brasileira, Roberto Burle Marx reinventou a joalheria nacional, inserindo seu desenho marcado pelas linhas puras e as gemas com a original lapidação livre.
Não foi só Burle Marx. Ao longo dos anos, artistas de todo o mundo criaram joias. O reconhecimento do suporte era tal que a Bienal Internacional de São Paulo dedicou salas exclusivas ao tema durante algumas de suas edições. O artista e colecionador Emanoel Araújo, que em vida foi diretor curador do museu Afro-Brasil, organizou inúmeras exposições individuais e coletivas que trouxeram ao público a arte de Mestre Didi, seu conterrâneo baiano e criador de joias com signos do continente africano.
Foto: Tuca Reinés
“Deoscóredes Maximiliano dos Santos, popularmente conhecido como Mestre Didi, foi um valioso expoente da arte brasileira de origem africana, além de um sacerdote de cultos aos deuses e ancestrais negros, filho de Mãe Senhora, uma das ilustríssimas condutoras do Ilê Axé Opô Afonjá, tradicional terreiro de candomblé de Salvador. Ele também era um joalheiro”, corrige a pesquisadora e curadora de moda Hanayrá Negreiros, oferecendo uma outra perspectiva à produção do artista, conhecido por suas esculturas. Junto de outros pesquisadores especializados na diáspora Afro-Brasileira, o autor deste texto vai reunir, em um novo livro com lançamento marcado para o segundo semestre de 2023, na SP-Arte, em São Paulo, ensaios sobre a obra de Mestre Didi. A publicação também conta com imagens de colares que o artista originalmente criou para sua esposa, a antropóloga Juana Elbein dos Santos.
Foto: Chantal Regnault/Divulgação
As composições, feitas de palha, búzios, miçangas, barro, tinta e couro, têm resultado invulgar e propõem um abstracionismo misterioso e mágico. “Os búzios, fartos, nos contam sobre destinos, caminhos e riquezas; as peles de animais são sagradas e fundamentais para as cosmologias de terreiros”, aponta Hanayrá. “O delicado manuseio com a palha da costa e a costura das contas de vidro estão presentes nas ricas narrativas e nos fazeres afro- brasileiros”, completa. Detalhe de mestre: as peças do artista são assinadas com um pássaro e as suas iniciais, “DMS”.
Fotos: Divulgação
Foto: Tuca Reinés