Se alguém estiver um pouco desavisado no Parque do Ibirapuera, em maio agora, na noite em que o evento paulistano C6 Fest estiver reunindo no mesmo lugar artistas de pegada dance, como os veteranos do Soft Cell, com os magos do som 2ManyDJs e a colorida Romy, dificilmente vai associar que aquela moça ali, felizona, cantando como quem coloca a sua alma para fora, e orquestrando uma vibrante disco music no palco (e provavelmente uma mais vibrante ainda pista de dança formada diante dela), seja a mesma pessoa que veste preto da cabeça aos pés e empunha, toda tímida, uma guitarra muitas vezes sombria na banda inglesa The xx.
Romy Madley Croft, que artisticamente usa apenas Romy, conversou de Londres com a Numéro Brasil sobre a vinda ao Brasil, onde será uma das atrações do festival. Ela está vivendo exatamente neste momento o que podemos chamar de “dilema das cores”. Explica-se. Romy vem se apresentar no país pela terceira vez, mas agora em uma forma inédita. Romy foi convidada para divulgar no palco as músicas de seu primeiro disco solo, o explosivo, dance pop e colorido Mid Air, lançado há apenas alguns meses. As duas outras vezes em que esteve por aqui, uma em 2013 e outra em 2017, foi como parte do cultuado trio The xx, cuja sonoridade, por mais paradoxal que seja, está mais para o silêncio e o soturno.
O “problema” de Romy agora é que, ao mesmo tempo que tem viajado para apresentar ao vivo o seu “diário pessoal” – o disco solo –, tem intensificado a frequência no estúdio, porque o xx resolveu voltar à ativa, depois de um hiato de seis anos sem fazer shows e sete anos sem gravar um disco novo. Colorido ou preto: qual vai ser o look de Romy agora? “Quando formamos o xx [2006/2007], adolescentes, a gente costumava usar muito preto, mas era de um modo natural, talvez por causa da idade. E, como logo nos tornamos melhores amigos, acabávamos compartilhando um estilo que se complementava”, diz. “Com o tempo, e depois de desenvolver um estilo mais individual, tenho gostado de usar mais cores. Às vezes rimos, porque parece que estamos indo para festas diferentes. Mas o preto deve voltar, porque o xx vai voltar. Precisamos encontrar um visual de banda em conjunto novamente, e não vejo outra cor para o xx.”
Foto: Vic Lentaigne
A questão das cores de Romy está intimamente ligada à sua vida pessoal e ao tipo de sonoridade que escolheu adotar para finalmente fazer o seu disco solo longe dos amigos de banda, o produtor Jamie XX e o baixista Oliver Sim. Mid Air, sua primeira aventura sozinha e um álbum para pistas de dança mais alegres, é considerado uma carta de amor de Romy em forma de disco music, endereçada a seu passado de teenager. Levou exatos seis anos para ela ter coragem de, primeiro, fazê-lo. E, depois, de lançá-lo. “Sim, o álbum é como se fosse o meu diário. As letras são superpessoais mesmo, e as músicas se referem às canções que eu sempre amei, as que mais me marcaram quando eu era mais jovem. Ao começar a sair à noite, aos 16, 17 anos, eu ia a clubes queer em Londres, e as músicas que mais me marcavam eram as dance melódicas, as pop mais emotivas. É esse tipo de música que eu quis fazer agora, meio que para representar aquela menina queer descobrindo, ainda que bastante tímida, um mundo que a música me ajudava a enfrentar”, confidencia a cantora londrina de 34 anos. “Nas letras de Mid Air eu estou sendo muito aberta sobre o meu relacionamento [ela namora a fotógrafa e diretora Vic Lentaigne]. Ao compor essas letras, sempre pensava em como elas teriam sido significativas para mim mesma quando passei a frequentar os clubes, e espero que elas possam significar algo do tipo para outras pessoas também.”
Romy adianta como será o seu show ao vivo em São Paulo. “Com essa apresentação estou explorando um lado diferente de mim. Meu som pede um clima de dance music ‘para cima’, e um show de energia alta, para ser uma experiência libertadora, tanto para mim quanto para o público. Estou ficando mais velha e, cada vez mais, conseguindo não me importar com minha timidez e com um sentimento de inferioridade que eu sempre carreguei. E os shows têm me ajudado com isso; me divirto no palco e divido uma cumplicidade cheia de energia com a plateia. É estimulante.”
*Romy se apresenta em São Paulo no dia 18 de maio, na programação dance do C6 Fest.
Foto: Vic Lentaigne